Dissertação de pesquisadora do Grupo Preserv-Ação é vencedora de prêmio nacional de comunicação

A dissertação da discente do Programa de Pós-graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCOM) da Universidade Federal do Pará (UFPA), Clarissa da Silva Rayol, intitulada “O aplicativo Alerta Clima Indígena: digitalização das Terras Indígenas à luz da Ecologia da Comunicação”, foi a grande vencedora, na categoria mestrado, do Prêmio COMPÓS de Teses e Dissertações Eduardo Peñuela Cañizal 2022. O trabalho foi orientado pela professora Luciana Miranda Costa que também é docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e coordenadora do Grupo de Pesquisa Preserv-Ação (UFPA/UFRN).

O objetivo principal da pesquisa foi analisar, a partir de uma experiência imersiva, a comunicação ecológica possibilitada pela digitalização das terras indígenas experienciada pelo aplicativo Alerta Clima Indígena, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) junto ao Instituto Raoni, Conselho Indígena de Roraima e Comissão de Caciques e Lideranças da Terra Indígena Araribóia. A finalidade do dispositivo é facilitar a divulgação de dados científicos sobre clima, fogo e desmatamento das Terras Indígenas da Amazônia brasileira. 

“Essa perspectiva da comunicação ecológica que utilizamos não se sobrepõe apenas ao caráter 'sujeito-cêntrico' (humano), mas, principalmente, de forma a considerar todos os elementos que compõem o território indígena: as plantas, os animais, o clima ou a chuva. É uma comunicação ampla entre humanos e não humanos”, observa a pesquisadora. 

Clarissa Rayol considera que a perspectiva da Ecologia da Comunicação possibilitou que se enxergasse de uma maneira muito mais amplificada a experiência comunicativa. De acordo com a pesquisadora, existem mais de 360 terras indígenas disponíveis no aplicativo e o seu estudo se debruçou em verificar a colaboração dos povos indígenas a partir da identificação das etapas de construção e reconstrução do aplicativo. Desta forma, a pesquisa investigou os processos de protagonismo dos povos originários no desenvolvimento e utilização do aplicativo. 

“Acredito que esse aplicativo não teria tanta potencialidade se não tivesse as mãos dos povos indígenas na elaboração do projeto, na utilização, na forma de apontar as dificuldades e suas possibilidades dentro do contexto das mudanças climáticas”, afirma a pesquisadora. 

Clarissa Rayol ressaltou ainda, a dificuldade de elaborar sua dissertação em meio à pandemia da Covid-19, na qual muitos indígenas sofreram com as consequências da doença. “Sabemos da realidade das terras indígenas brasileiras, a questão do garimpo ilegal e o acometimento dos povos indígenas em relação à Covid. Muitas pessoas ficaram doentes e muitas morreram. Fazer entrevistas e escrever no meio do caos que vivíamos foi realmente difícil”, destaca. Diante do contexto, as entrevistas presenciais, por exemplo, se tornaram inviáveis, mas graças ao acesso dos povos indígenas às tecnologias e à utilização do celular, foi possível realizar entrevistas on-line. 

A pesquisadora ressaltou em seu trabalho o protagonismo indígena na temática, mas alertou para ainda pouca participação dessa população em discussões sobre clima e meio ambiente em fóruns mais amplos. “Eu acho que o impacto da pesquisa contribui para a visualização da importância da gestão dos territórios indígenas na Amazônia ou em outros biomas, mas acredito que a principal relevância é tratar clima e mudanças climáticas sob a ótica do protagonismo indígena, porque, muitas vezes, nos eventos climáticos os povos indígenas não têm uma participação expressiva”, afirma. 

Clarissa Rayol salientou ainda que a orientação da profa Luciana Miranda e sua participação no Grupo Preserv-Açãocom a consequente interativatidade com as pesquisas realizadas pelos demais membros, foram fundamentais no processo de elaboração da dissertação, pois as discussões no grupo de pesquisa sempre permeiam temáticas atuais sobre questões ambientais e novas abordagens metodológicas.  

“Nós estamos mesmo em rede, assim como eu falo muito na pesquisa sobre redes comunicativas e ecológicas. O grupo Preserv-Ação é uma grande rede, uma grande teia de  vários assuntos que se interligam, a partir do apoio de pessoas diversas que realizam seus trabalhos científicos e contribuem para a defesa ambiental e da Amazônia.”, conclui Rayol. 

Para orientadora do trabalho, profa. Luciana Miranda, a conquista do Prêmio COMPÓS 2022 é uma grande vitória. Para ela, trata-se de um tema relevante, mas ainda pouco explorado nos estudos de comunicação e com uma metodologia igualmente pouco referenciada. Com a pesquisa, buscou-se abordar a importância de discutir a Amazônia, seus povos originários e o meio ambiente a partir da ótica dos agentes sociais envolvidos, sempre sob a lente dos processos comunicacionais e das interações decorrentes. 

“Clarissa Rayol, com esta dissertação, representa o esforço coletivo não apenas de um programa de pós-graduação em comunicação do Norte do país (PPGCOM/UFPA), mas de professores e estudantes de estados e de regiões ‘periféricas’ revelarem o mérito de suas temáticas, das metodologias empregadas, do rigor científico e, sobretudo, de um saber que muitas vezes fica esquecido em bibliotecas de universidades “distantes” do sul-sudeste. Estamos muito felizes com o prêmio e com o reconhecimento do trabalho realizado”, enfatizou. 

O Prêmio Compós 2022 

Após saber o resultado do Prêmio COMPÓS 2022, cuja cerimônia de premiação foi marcada para o dia seis de junho, às 18h30, Clarissa Rayol escreveu em sua rede social: “Sempre tem um momento que é pra falar de coisa boa, então a gente sempre fala disso’. Jamais vou esquecer da frase dita pelo Roiti Metuktire em um dos nossos diálogos. Tecer linhas sobre o processo de digitalização do aplicativo Alerta Clima Indígena, instaurado em um contexto de colapso climático e ecológico, traz esperanças para refletir que, mesmo diante dos desafios, os povos originários apontam os caminhos para as possibilidades de aliança, trocas e do pensar coletivo, distante do individualismo ocidental. É a partir das ressignificações designadas pelo povo Mẽbêngôkre (Kayapó) que consolidamos na pesquisa a ideia de uma territorialidade conectiva, onde a prática se estabelece pelos emaranhados formados pela Terra Indígena digitalizada e toda a sua complexidade: os animais, os espíritos, as plantas e todos os componentes abióticos (temperatura, solo, ventos, chuvas, dentre outros). O prêmio Compós 2022 de melhor dissertação representa uma conquista coletiva do PPGCOM/UFPA, do Grupo de Pesquisa Preserv-Ação (UFPA/UFRN), do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, das organizações indígenas participantes do projeto (Instituto Raoni, Conselho Indígena de Roraima e Comissão de Caciques e Lideranças das Terras Indígenas de Araribóia) e de todos os povos indígenas que lutam em defesa dos seus territórios e da sobrevivência física e cultural.”

O Aplicativo Alerta Clima Indígena 

Os usuários do aplicativo agem e interferem no mapa digital mediante informações específicas sobre a Terra Indígena em que está: é possível dizer que determinadas plantas desapareceram, que rios secaram ou que houve invasão de agentes externos nos limites geográficos, logo os elementos não-humanos podem apresentar qualidade informativa transitável digitalmente. O fenômeno de digitalização das Terras Indígenas observado no aplicativo Alerta Clima Indígena contribui para a formulação dos planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas, atuando como instrumento para a valorização do patrimônio material e imaterial indígena por meio da produção de mapas digitais para a tradução do clima em diferentes temporalidades, além do monitoramento e fiscalização de invasão da Terra Indígena para fins de extração de madeira ou garimpo ilegal. Dessa forma, assume a potencialidade de registrar violações como invasões possessórias, danos ilegais ao patrimônio e exploração ilegal de recursos naturais, ou seja, aumenta a participação de cidadãos conectados que podem requerer junto aos órgãos competentes. O aplicativo está disponível aqui.